Há 18 anos, estreava ‘Um Circo de Rins e Fígados’, montagem que reuniu pela primeira vez os talentos de Marco Nanini e Gerald Thomas. O trabalho rendeu uma bem- sucedida trajetória, com direito aos principais prêmios da época e diversas temporadas. Quase duas décadas depois, o encontro desses dois ícones do teatro brasileiro resultou em mais um espetáculo: ‘Traidor’, que estreou em São Paulo com uma temporada de lotação máxima, feito que se repetiu em Belo Horizonte e com as sessões no 32º Festival de Curitiba, que esgotaram cinco mil lugares a mais de um mês das apresentações. ‘Traidor’ passou ainda pelo Rio de Janeiro em uma temporada de sucesso durante o mês de abril no Teatro Prio. Agora, em julho, reestreia em curta temporada no Teatro Sérgio Cardoso, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, gerido pela Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), a partir do dia 05 de julho.
Produzido por Fernando Libonati, o novo trabalho foi sendo criado ao longo do último ano, a partir de uma intensa troca de mensagens entre o trio formado por Nanini, Gerald e Libonati. Entre as estreias de ‘Um Circo de Rins e Fígados’ e ‘Traidor’, o mundo sofreu transformações irreversíveis, como o trauma pós-pandêmico, a incontornável revolução digital com suas inteligências artificiais, o virtual substituindo o mundo real e a ruptura democrática sofrida em diversas escalas mundo afora. O texto da atual peça foi criado sob influência deste caldeirão contemporâneo, no estilo que consagrou Gerald Thomas.
E o ponto de partida foi justamente o espetáculo anterior, que é retomado e citado em algumas cenas, ainda que todo o mote agora seja outro. Desta vez, Nanini está isolado em uma ilha, é acusado de algo que ele não cometeu e dialoga com a própria consciência, com seus fantasmas e suas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro. É como se toda a ação se passasse dentro de sua cabeça:
“Se houvesse um cruzamento entre Kafta e Shakespeare, então esse seria ‘Traidor’, uma espécie de híbrido entre o Joseph K, de ‘O Processo’, e Próspero, de ‘A Tempestade’, cuja mente renascentista olha para o futuro da civilização, perdoa seus detratores e os absolve”, resume o diretor.
Entre a tragédia e o humor, o otimismo e o pessimismo, Nanini conversa consigo mesmo e com as suas indagações, materializadas no elenco formado por Cadu Libonati, Hugo Lobo, Ricardo Oliveira e Wallace Lau.
A montagem traz a concepção visual do próprio Gerald Thomas, com figurinos de Antonio Guedes, iluminação de Wagner Pinto e a cenografia de Fernando Passett.
‘Traidor’ marca ainda a volta de Nanini ao teatro, depois da pandemia e um período em que emendou trabalhos no audiovisual. Após ‘Ubu Rei’ (2017), seu último espetáculo, ele esteve em novelas, estrelou o premiado longa ‘Greta’, de Armando Praça, atuou nas séries ‘Sob Pressão’ e gravou ‘João Sem Deus’, que acaba de estrear no streaming. Ainda no período de isolamento, ele idealizou e produziu ‘As Cadeiras’ junto com Fernando Libonati, que também dirigiu a adaptação do clássico de Ionesco. Nesta temporada, o ator ainda lançou a biografia ‘O Avesso do Bordado’ (Companhia das Letras), escrita pela jornalista Mariana Filgueiras ao longo dos últimos cinco anos.
Reconhecido pela meticulosa construção de cada personagem e o apreço pelos ensaios, Nanini reconhece que o teatro segue sendo um oxigênio vital e indispensável, o que é reiterado por Gerald:
“Nanini é o ator mais intenso que conheço. Não tenho dúvidas do que estou dizendo. Digo isso como diretor, mas também como autor. Como eu dirijo em pé, a um metro de distância dele, ouço cada respiração. Chego no hotel e continuo ouvindo a sua voz. Volto a ler o texto, faço a revisão e a voz. A voz do Nanini. Lá está, a voz. Cada respiração dele. Que prazer é, mesmo que só de 18 em 18 anos, escrever pra ele e dirigi-lo, ter Marco Nanini pela frente é tudo”, celebra o diretor.