A última vencedora do Prêmio Nobel de Literatura foi Annie Ernaux. De acordo com o anúncio oficial, a escolha por premiar Ernaux se deveu à “coragem e acuidade clínica com a qual ela descobre as raízes, estranhamentos e limitações coletivas de sua memória pessoal”.
Inspirada em Annie, o novo livro de Dani Costa Russo, Cama Rainha (Penalux, 2023), é uma das tendências e traz a escrita de si (tão abominada há pouquíssimo tempo pelas regras masculinas de escrita). Em um híbrido audacioso no aspecto comercial, mas absolutamente natural no processo de escrita da mulher, Dani criou uma obra que mescla trechos de seus diários com poemas.
“A ideia era mostrar como o amor ainda deve ser pauta, uma grande pauta social, levantando os questionamentos que hoje me perturbam: o que acontece com as mulheres vítimas de violência? Elas amam? São amadas? Elas permitem o amor? Identificam o amor? É necessário ter amor? Sobreviver não é mais do que o suficiente?”, afirma Dani Costa Russo.
Agenda na Bienal
Dani Costa Russo estará na Bienal todos os dias de evento de 1 a 10 de setembro
No Estande Vermelho (Pavilhão Verde, AL05).
Vendendo Cama Rainha, e trazendo informações sobre o selo Auroras e da experiência de escrita “a escritora”.
Dia 9 de setembro, sábado:
Presença no Encontro com autores KDP.
Estande Amazon Brasil
Horário: 12h30
A agenda será atualizada pelos perfis de Instagram @danicostarusso e @seloauroras.
“A tendência literária, na verdade, vem no plural: as vozes são plurais, as regiões são espalhadas, os temas femininos, mas universais. Dá gosto ser uma leitora nesse pós-pandemia, ver o feminismo perdendo os estigmas, se eternizando nos textos publicados de Norte a Sul,” afirma Dani
Cama Rainha
“Você é guerreira, você se basta, não precisa de ninguém!”
O empoderamento e a solidão
A primeira parte da narrativa de Cama Rainha começa num tempo antes da autora admitir que pode amar e ser amada. Segue pelo encontro com quem vem a ser seu namorado, parte para a dificuldade em aceitar um bom homem. Flui pelo medo de viver um relacionamento, mesmo saudável.
“Sim, vejo seu esforço em preservar o que resta da minha
crença, da fé no homem. Mas meu histórico lesionou as possibilidades. Estou na fronteira do te adorar e do nunca mais ser capaz de te ver.
É esse o resultado de quase quatro décadas jogada à provocação constante.
É essa a devastação final. A extinção.”
A segunda parte traz a fragmentação da relação, pois com a pandemia do coronavírus as fronteiras dos países foram fechadas e o casal ficou separado fisicamente, impedido de se encontrar. Um poema com mais de 580 versos conta o fim e a transição da autora pelas fases do luto da separação.
Os trechos de diários foram escritos entre 2018 e 2020. Dani mostra, pela sua reação ao que recebe de amor, como confundiu empoderamento com a falta de necessidade de ter uma parceria amorosa.
“Me bastar me levou a acreditar que não preciso de um amor, e que se acaso tivesse um e o perdesse, logo poderia trocar por outro, como uma peça de substituição. Quando perdi meu relacionamento durante a pandemia, percebi que não havia quem me dissesse que a dor da separação era uma dor que eu podia sentir.
Pareceu-me, por muito tempo, que minimizar o grande e lindo amor que tive era a única resposta ao fim. A resposta aceitável para uma mulher empoderada como eu”.
Campanha e filme
Dani Costa Russo trabalha a sua divulgação unindo recursos artísticos. Além da vasta campanha que cria para apresentar Cama Rainha nas redes, com vídeos em que ela se interpreta, se aliou à Flor Filmes para a produção de um curta.
Assim, surgiu o clipe Cama Rainha, com première prevista para o começo de outubro, em São Paulo. Dani, confinada em seu apartamento, narra toda a segunda parte do livro.
“Quando terminei de escrevê-lo, senti estar próxima a superação do fim da relação, da solidão exacerbada, da angústia da quarentena e do medo de morrer. Foi quando vi o filme pronto que chorei copiosamente e entendi, enfim, que tudo virou passado e eu posso seguir mais leve, capaz de novos amores”, conta.
Capa do livro e selo Auroras de publicação de mulheres
A capa de Cama Rainha é uma criação de Dani Costa Russo, que utilizou uma foto de viagem feita pelo par amoroso da narrativa.
“Estávamos em um ponto turístico no país dele. Minha echarpe escondeu meu rosto quando ele me fotografou, pois ventava muito.
Essa foi a viagem que relatei na obra, então me pareceu muito justo usar na capa a fotografia que no momento vivido era um ícone do nosso movimento, da nossa expedição amorosa pelo país dele. Depois, na minha mente, tornou-se uma referência à falta de ar da pandemia, ao encarceramento, à impossibilidade de ficarmos juntos, diz Russo”.
Dani também foi sua própria editora, seguindo, ainda, pelo caminho da independência. Publicou Cama Rainha no selo literário Auroras, fundado por ela no começo de 2020, dias antes da pandemia ser oficialmente decretada no Brasil.
Sobre suas diversas funções, declarou na orelha do livro: “subverto um caminho editorial porque nesta publicação quis dar tudo de mim em cada página. Ou uso essa justificativa para camuflar o fato de ainda ser uma autora independente – nunca ninguém me editou na literatura”.
+ Dani Costa Russo
A escrita da mulher como missão
Dani Costa Russo tem 42 anos e é capixaba, radicada em São Paulo há mais de 14 anos. É jornalista, escritora, idealizadora, curadora e editora do selo Auroras, da Penalux, voltado à publicação de obras escritas por mulheres.
Em menos de três anos, leu centenas de originais e formou, até agora, um catálogo com 36 autoras. Todas editadas por ela num processo que envolve mentoria de escrita e de trabalho no mercado editorial.
É autora do romance Beijos no Chão, e do híbrido Cama Rainha, uma união de anotações de diário com poemas. Dá aulas de escrita de ficção e edição, é leitora crítica e preparadora.
Dedica-se ao acompanhamento de escritoras no processo do livro. Desenvolve cursos, oficinas, saraus, projetos literários variados.
Integra a equipe da LabPub EAD, escola voltada a profissionais do mercado editorial, é mediadora e curadora de mesas em eventos da área. É cofundadora da experiência de escrita “a escritora”.
Antes de se tornar uma referência na publicação de mulheres, vagava como autora independente buscando quem a publicasse. Recebeu dezenas de negativas.
Diante de um mercado combinado de só publicar homens brancos, de meia-idade, do eixo Rio-SP, com obras a respeito da crise existencial masculina, decidiu se aliar ao movimento de ocupação de espaço, todos os espaços, pelas mulheres.
A literatura precisava de transformação imediata. A essa entrada das mulheres escritoras no mercado, Dani chama de Revolução Literária, em que as ditas minorias escrevem e publicam já não mais dependentes das antigas validações.
“O feminismo e a tecnologia são os maiores aliados dessa revolução em curso. O regionalismo se apresenta na visão feminina; temas relativos à mulher ganham páginas, mas são, sim, universais. O perigo da voz única se dilui gradualmente, não mais ficamos à mercê da majoritária escrita masculina”, explica.
O passado a condena
Vítima de violência doméstica, Dani Costa Russo escreveu Beijos no Chão (2016), seu primeiro livro, apostando na autoficção. O romance conta a história de uma mulher mãe de dois filhos pequenos vítima de constantes espancamentos do marido.
A narrativa se desenvolve a maior parte do tempo dentro do apartamento da família, onde a protagonista acredita interagir com espíritos. O terror psicológico é uma marca desta obra cujas cenas de agressão são verídicas.
Ao escapar da tentativa de feminicídio derradeira, Dani passou a escrever em cadernos suas lembranças. “Queria me sentir sã. Parecia que tudo ocorreu dentro de uma loucura que só eu vi. O real trazia uma culpa vertiginosa. As pessoas me apontavam como causadora da minha própria ferida. Escrevi, então, para me resgatar e me provar que não causei o desmoronamento de uma família que nunca foi inteira”, relembra.
Por anos, Dani considerou que estaria condenada à prisão no próprio passado, estancada no julgamento alheio. Quando publicou Beijos no Chão, de forma independente, percebeu a quebra dessa condenação – a história repercutiu e trouxe muitas outras, de mulheres pelo Brasil e mundo, que se identificaram cenas vividas do livro.
O padrão do homem agressor ficou evidente. Era a constatação que faltava para Dani se sentir livre da culpa.
Cama Rainha
14X21
132 páginas
Editora Penalux
4ª temporada Auroras
Publicação em junho de 2023
https://www.editorapenalux.
Ebook:
https://www.amazon.com.br/dp/